segunda-feira, 12 de abril de 2010

D'o Amor

Com o Sol e os dias agradáveis, chegam também uma série de rituais sazonais que se podem observar diáriamente pelas mais variadas urbes mundiais. Penso que será o momento ideal para tentar dissertar ligeiramente sobre um desses rituais. Provavelmente aquele que mais depressa saltará à imaginação ao pensar na curta lista de rituais estivais.

Falo obviamente das infindáveis discussões e tratados filosóficos sobre a palavra amor, que se efectivam por esses cafés e bares de conceito (concept bars) dos centros urbanos efervescentes. Magotes de pré-adultos e solteiras cinquentonas fumam fervorasamente enquanto sorvem chá ou cerveja nos dias de loucura.
O que é o amor? Para além de ser a questão que nos permite estar permanentemente em questão, o que mais poderá ele ser? Como é constituido? Que elementos integra? Qual a sua origem? No fim de contas, como surge o conceito dentro das nossas cabeças?

Abstraindo-me de toda a arte e imaginação, e utilizando apenas a racionalização, o bom senso e a observação participante, tentei elaborar uma lista dos vários ingredientes que poderiam figurar no caldeirão do amor. E como ele ferve...

1- Filmes da Disney numa fase de crescimento importante. Vulgo, entre os 4 e os 8 anos. Na verdade, o, doravante designado, "amor Disney", é, para toda a presente geração de jovens adultos, o ideal tipo do amor!!!! O amor Disney é tudo aquilo que sonhamos numa relação. E precisamente aquilo que nunca teremos. Não é de espantar, afinal um termo tão complicado de definir como "amor" apenas poderia ter sido adquirido através de suporte visual e conteúdo exemplificativo. Obviamente que o exemplo está bastante distante da realidade, mas quando nos apercebemos de tal já somos demasiado adultos para conseguir anular conceito tão enraizado.

2- Sinais eléctricos e quimicos, transmitidos por vários orgãos do nosso corpo. São bons... Oh se são... Provocam uma sensação de bem estar e de elevação. São pequenas massagenzinhas no nosso ego. A questão das borbuletas no estomago não é apenas metáfora, mas sim um verdadeiro sintoma da reacção química que se passa no interior do nosso corpo. Como é óbvio não há bela sem senão, pois se não, vejamos do que estamos a falar: um químico que é absorvido pelo nosso corpo, provoca uma sensação incrível de bem estar e como tal, tem propriedades viciantes. Sim, talvez pudesse ser vendido de forma ilegal por mal encarados em esquinas do Bairro Alto.

3- Instinto. Nos quais incluo o desejo sexual e o desejo maternal. É algo a que não podemos fugir. Todos os animaizinhos do lote Homo Sapiens Sapiens calharam com esta característica e que os torna tão especiais e bonitos. São necessidades básicas inerentes à natureza humana. No entanto, são ligeiramente desprezadas em contexto social desenvolvido. O instinto, por ser irracional, amedronta a sociedade organizada. É possivel que seja esta a razão mais profunda para a criação do conceito amor. Um conceito que, no fundo, atende estes desejos e fá-lo de forma não ofensiva para a sociedade, chegando mesmo a ser louvável.

4- Pressões sociais. Se toda a gente ama e vive em casais heterossexuais com dois filhos, um rapaz mais velho e uma rapariga mais nova. Obviamente que quem não o fizer sentirá uma enorme pressão social. Não tentem não o fazer. Na verdade nem é uma questão de escolha, o vosso inconsciente já o decidiu por vocês.



Conclusão: A lista não é extensiva. Muita coisa faltará. Há no entanto algo que me preocupa. O amor no fundo, não me parece nada espiritual nem transcendental. Não me parece divino. Não me parece cósmico. Não me parece mitológico. Não me parece paranormal. Não me parece inexplicável.

Pergunto-me... Poderá o amor ser apenas porque...


dá jeito?




A

quarta-feira, 7 de abril de 2010

D'a Vida Secreta

À janela, agora escuto a noite. Toco a Lua.

É a ela que presto contas diariamente. Estranho dizer diariamente, quando claramente o faço sempre de noite.

A ela presto contas "noctariamente" talvez.

Ela que se dá todas as noites a todos. E no entanto ao analisarmos a questão, deparamo-nos com uma face inteira de segredos. Isto admitindo a existência de Luas cheias diárias. Mas não. Nem a isso temos direito. Deparamo-nos então com um corpo que se mostra todos os dias mas em parcelas inferiores a 50% da superfície total. Já para não falar de todo o seu interior.

Será de ti que aprendemos? Terei aprendido de ti?



Dorothy, a minha ex-mulher, costumava dizer que eu era demasiado perfeito. Que era impossível acompanhar-me. Já não o sinto no entanto. A perfeição abandona-me diáriamente. Sei que fui perfeito, sei que anos de gestão de bom senso me deram uma capacidade de exteriorização seguida de auto-crítica e auto-controlo. O rei do Quociente Emocional.

Já não o sinto no entanto. Minto... E... Minto-lhe... E... Sinto que me minto também.

O que começou com um pequeno jogo tornou-se agora grande demais para eu o suportar. Vou aguentando as investidas da minha consciência, as horas de sono em branco, as inquisições da Lua (quem é que ela julga que é para me falar sobre sinceridade?). Mas ao mesmo tempo sinto a minha estrutura emocional a ceder. Amei o pecado mas estou arrependido. Eu... Eu que era demasiado perfeito para ser acompanhado.

E tu? E eles? Eu que era demasiado perfeito para ser acompanhado faço-o! E todos? A realidade que conhecemos dos outros é em grande parte construída através da forma como cada um se nos apresenta. Daquilo que as pessoas nos dizem.

PROBLEMA: Todos o sabem!

E tendo eliminado a existência de Deus e do julgamento final, resta-nos prestar contas à nossa consciência (nossa cúmplice na jogada) e... à Lua, que não é menos puta que cada um de nós.

Temo por achar que se eu construí um mundo imaginário para alimentar o meu próprio egoísmo, todos o farão. E se calhar... ela... de cada vez que se desculpa de forma esfarrapada e pouco convincente, fá-lo inadvertidamente para se convencer inconscientemente de algo que nem sente.

Talvez nem goste de Sushi e o faça só para me agradar.
Talvez ela não goste realmente do meu sinal ao lado do olho esquerdo, como tantas vezes diz que gosta.
Talvez nem lhe agrade por aí além o sexo comigo mas, sendo a única coisa que ela vai tendo...
Talvez nem seja a única coisa que ela tem.
Talvez tenha insistido tanto no fim de semana em Sevilha para fugir de uma possível Vida Secreta que tem.
Talvez me use só para não pensar tanto num possível verdadeiro amor da sua vida.

Mas de novo, nunca serei muito melhor que isso... A verdade é que eu próprio mantenho há meses uma vida secreta... E cada vez menos aguento o peso que a minha consciência exerce sobre mim.





Apresentei-me a ela como sendo médico quando não passo de um mero dentista.