terça-feira, 29 de dezembro de 2009

D'o Equilibrista

Se a poesia e a obsessão fossem dois picos próximos, haveria uma linha ténue a ligar ambos os topos.

E eu? Eu seria um equilibrista de vara na mão. Cuidadosamente a forçar o meu caminho para o lado da poesia, mas quanto mais avançava mais o vento me empurrava para a obsessão.

A poesia - não falo de poemas, falo de palavras regadas com intensidade extra, a deixar adivinhar por trás do vestido de linho a carne endiabrada do amor - esta poesia... Esta poesia que para o bem e para o mal é crua e sincera. E é sobre uma vida que existe, de alguém que acorda e trabalha e faz coisas que nada têem a ver com palavras alinhadas sem um objectivo sócio-funcional.
É sobre uma vida que não hesita em rotular o sonhador de louco, o poeta de assustador e o amor de obsessão. Chegando a temer o próprio acto de ver descrita numa obra de arte a sua vida tipicamente banal.

Provavelmente temendo que esta chegue a livro e seja arrumada numa prateleira juntamente com tantas vidas que para ali tenho.




A

domingo, 27 de dezembro de 2009

De Deus

Se acredito no amor?

Acredito em algo,

não sei se lhe chamo amor..



A

sábado, 26 de dezembro de 2009

D'o Tempo (Cronos)

Existirá tempo para além da concepção criada?
Para além das máquinas que criámos para o medir?
Para além dos eternos atrasos para o emprego?
Para além dos anos que vão passando sobre o espelho na casa de banho e que nos torna disformes?
Para além do tempo que falta para acabar o exame?
Para além do tempo que falta para começarmos a morrer?

Existirá tempo para além da sua concepção social?
Para além de todas as consequências físicas e sociais que o tempo acarreta.


Imaginemos:
Duas pessoas que não têem nada neste mundo. Que não têem nada a perder. Que não têem nada a ganhar. Duas pessoas incógnitas que nada pretendem, nada ambicionam. Estão numa experiência em que tirarão à sorte um intervalo de tempo, durante o qual terão de permanecer numa sala pequena e vazia sem qualquer entretenimento. Um deles terá de esperar nessa sala 30 segundos e o outro 30 horas.

Numa situação perfeita, se nenhum deles tem mais que fazer, o facto de ter calhado 30 segundos ou 30 horas ser-lhes-ia indiferente.
Mas mais importante que isso, passado o periodo de enclausuramento, é como se as 30 horas começassem a encolher. O tempo passado perdeu o sentido e na verdade, 3 anos depois, as 30 horas de enclausuramento terão parecido 3 segundos. Não precisamos obviamente de ir tão longe. Bastará provavelmente uma semana e a recordação do periodo passado nessa sala não será provavelmente maior do que 30 segundos. O tempo perdeu o significado, face ao futuro. Se as 30 horas foram perdidas numa sala vazia ou ganhas numa orgia romana é indiferente para o momento em que me encontro neste momento.

Ou, colocando a coisa de forma mais simplificada... O que tento demonstrar é aquela sensação de que um ano que passou da nossa vida parece mais longo do que toda a nossa vida até este momento.

Leva-me a pensar que o que dá tempo ao tempo é o facto de nos apercebermos disso num determinado momento presente e de realizarmos um raciocionio, uma comparação, de encontrarmos uma função, um motivo, uma personalidade para esse tempo. A nossa noção de tempo é, no fundo, o que temos a dizer sobre ele num determinado instante fugaz.




O tempo tornar-se-á um bom companheiro de sueca quando regado com tinto da região.



A

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

D'a Intervenção Divina, D'o Medo e D'o Destino

Dia 25 de Dezembro, noite de Natal na maior parte das mentes.

Um personagem C, sombriamente decidido desce o prédio das escadas. Anoiteceu há pouco. uma noite que vem acompanhada pela chuva, ou uma chuva que convidou a noite para jantar, já que a chuva fazia parte da rotina há mais de uma semana.
Vários meses passaram desde a última vez que a tinha visto. Nada fazia prever uma melhoria nesse aspecto. É então que ele utiliza toda a sua motivação extra para ir à procura dela, no único momento do ano em que saberia exactamente onde a encontrar.
Fez-se à estrada no velho Visa branco, velho mas com a garra desses novos, que não duram o terço do que ele já havia durado. Acompanhado apenas de uns mapas chochos no telemóvel e do seu sentido de orientação ligeiramente acima da média, partiu para uma viagem de várias horas a um local onde nunca tinha ido. Um local que ficava afastado vários quilometros da cidade mais próxima. Vários quilometros de o que quer que fosse que ele pensasse conhecer.

A chuva era uma constante. Ora miudinha e intensa, ora miudinha e inexistente. Nos momentos de intensidade extra ele pensava para consigo "a linha entre a motivação extrema e a ténue loucura é fina, muito fina... E eu neste momento sinto-me como um equilibrista a caminhar sobre ela."
A verdade é que aquela viagem era um risco constante. Estradas desconhecidas, sinuosas e velhas sem qualquer tipo de segurança, um carro ainda mais velho, chuva constante e uma noite cerradíssima com periodos de nevoeiro intensos..
Por várias vezes se perdeu, por várias vezes voltou para caminhos anteriores, inventou atalhos que não estavam planeados, seguiu o instinto correctamente, seguiu o instinto erradamente. A verdade é que não era fácil encontrar uma aldeia perdida no meio de nenhures, numa noite de Natal em que não se vê vivalma.
Haveria uma centena de hipóteses de ele se enganar num dos caminhos frequentados provavelmente por tractores de mês a mês e de seguir durante vários quilometros uma estrada perdida, só para descobrir que se tinha afastado ainda mais.
Mas não...

A calma que lhe transbordava dos olhos firmes e decididos durante toda a viagem. Essa calma aliou-se a uma qualquer entidade superior que o guiou com o mínimo de entraves até aquela aldeia.
Sentia-se em terreno proibido. Um local que não lhe pertence, de onde ele não é, onde nunca será bem vindo. Contornou aquelas ruas silenciosas como a morte, como se ele próprio fosse o vulto da tragédia.
Como se tivesse descido aos infernos sorrateiramente para efectivar qualquer missão. E agora por lá vagueava, tentando passar o mais despercebido possível.

A verdade é que a calma transbordante da viagem, tinha dado lugar a um medo gélido. Um medo petrificante. É fácil ser-se corajoso quando é para o ser sozinho. Imaginar o que ela pensaria ao vê-lo ali... A chegar, completamente desnorteado. irrompendo pela sua tranquila ceia de Natal familiar. Ela que provavelmente nem o queria ver.
Tudo isso o trouxe de volta à realidade. E no momento seguinte, o medo gélido converteu-se em tremores corporais e em incapacidade de levar a cabo a tarefa a que se tinha proposto.
Ao percorrer silenciosamente aquelas ruas quase sentia o bafo do seu eu perdido, de tão próximo que ele estaria ao fim de tantos meses.

Pegou toscamente no telefone e marcou o número. Pensando para si próprio que uma chamada a desejar bom Natal seria o suficiente para o seu coração amargurado e para justificar uma viagem de tantas horas. Nem precisava dizer-lhe que estava por ali..
Ligou e..
"Serviço de Voice Mail.."

- Desligado?! - murmurou

Sim, desligado... Infeliz personagem nem fazia ideia que a miuda tinha mudado de número.

Costumava achar-se uma pessoa mais de fins do que de meios. A verdade é que nunca lhe interessava muito a forma como as coisas eram feitas, desde que o resultado final fosse o pretendido. Mas aí estava ele, a voltar para trás depois de uma viagem tenebrosa e injustificada. E a pensar como se sentia mais leve. No fundo o que ele precisava mesmo era daquela viagem. Aquela viagem tornava-o forte, tornava-o adulto e insensível. Era disso que ele precisava.


A cerca de 5 quilometros da aldeia ele pára o carro numa berma pronunciada. Sai do carro, desaperta a braguilha e alívia a vontade esquecida há várias horas. Fecha a braguilha, olha o céu estrelado uma e outra vez. Olha a Lua e os seus reflexos nas nuvens espalhadas pela grafite.
Murmura:

- Se me fizeste vir até aqui. Esquecer o que sou, o que é suposto ser, como é suposto agir. Se me trouxeste aqui tão tranquilamente... Fizeste-me esquecer a minha condição de humano e seguir um designio, uma vontade, uma emoção, um nada... Se me fizeste isto tudo e me trouxeste aqui com tanta facilidade, como se fosse suposto tudo isto acontecer, então porque me falhas no momento crucial?

Olha de novo as nuvens e apercebe-se... Arregala os olhos e sorri, perante a revelação que acabava de ter.

- Na verdade, não foi o destino traçado que te levou a guiar-me até aqui. Nada disso. O que se passa é algo de eterno, de lendário, de fenomenamental. Algo mais antigo que a própria História em si. É algo que levou à própria criação da História. À própria necessidade de descrever feitos e de os relembrar. É a própria matéria dos Deuses que me corre no sangue neste momento.
A motivação! É a motivação que te leva a ser condescendente. A ausência do medo e a presença da vontade... da vontade de saír da condição humana por um objectivo.
Há cerca de 10 minutos quando voltei a caír na realidade e na minha condição humana. Quando o medo se apoderou de mim de tal forma que o objectivo se tornou secundário. Foi aí que me abandonaste.
E é aí que não te falharei desta vez!"

Decidido, pega no carro e volta para trás. Alguns metros adiante, vê um Citroen à sua frente. O primeiro sinal de vida desde há imenso tempo.
"É um sinal!"
Segue o carro que o leva de volta à aldeia. Com forças redobradas vai passando pelas ruas atrás do Citroen. Cruza uma rua e outra e outra e na quarta precisamente, ao olhar para a sua direita, vê-a.
O vestido, as botas, o cabelo. Só podia ser ela! Só podia ser ela. A entrar para uma casa. Só podia ser ela...
Faz rapidamente inversão de marcha e estaciona num local discreto de onde consegue observar a casa.
10 minutos, 20 minutos, 30 minutos. Perdeu a noção do tempo enquanto esperava um qualquer sinal. Quando já havia perdido a esperança eis que a porta se abre. Dela saiem duas raparigas: ela.. e provavelmente uma das primas! Seguem na direcção contrária.
Rapidamente ele liga o carro
aproxima-se por trás
abre o vidro
prepara o discurso ("preciso de falar contigo 10 minutos, pode ser?")
abranda e...





Regressou a casa, leve como uma pena. Mais forte que nunca e, incrívelmente, alegre.
Essa alegria era a alegria de quem tinha feito uma descoberta, pois foi nessa noite que ele destruiu de uma só assentada três dos maiores mitos da humanidade.
1 - A intervenção divina traduzida nuns rasgos de sorte irónicos ou coincidências sádicas.
2 - O medo que ficou numa berma de estrada algures perto de uma aldeia.
3 - O destino, que transformou a rapariga suspeita numa qualquer desconhecida no momento da abordagem, e que de qualquer forma nunca mais os juntou.


A

D'O Autor

Este sou eu, este é o autor.

Cada tiro directo ao centro de nada, ambiciono o mundo numa taça mas nem forças para adquirir a taça tenho.
Vivendo num meio termo entre a ilusão e a desilusão constante, refugio-me num mero aglomerado de códigos binários para fazer incidir luz sobre a realidade que me é tão estranha.
Esta, partilho-a com várias personagens do dia-a-dia, provavelmente as únicas das quais julgo conhecer algo minimamente. Ei-las:

O autor, fraco;
A personagem, forte;
O tédio, fraco;
A solidão, forte;
A rotina, fraca;
A inteligência, ela-por-ela;
A morte, fraca;
O nada, fraco;
O amor, forte;
A farsa, forte;
O Diabo, forte.

Se por engano, ou desengano se cruzarem com algumas delas, construam um mapa sobre as suas fraquezas e potencialidades, atribuam-lhes tarefas adequadas às suas características e motive pelo desafio e não pela remuneração.
Pois que eles para os outros assim sejam.


A