sexta-feira, 14 de setembro de 2012

D'A Liberdade

1 - Uma pequena apresentação

Tenho 25 anos e antes de qualquer outra explicação, afirmação ou opinião vou sem rodeios afirmar que estou orgulhosamente desempregado. O que há de tão especial acerca de ter um emprego? O que há de tão incrível em ficarmos ligados a um ofício tanto tempo que nos esquecemos realmente de quem somos? Não pode ser o amor a esse ofício… Há estudos que comprovam que qualquer actividade que envolve uma remuneração acaba por destruir o amor que lhe possamos ter(1). Será o amor ao dinheiro? Ou será o amor às coisas que o dinheiro pode comprar? E essas coisas, serão a receita para a felicidade? Não se costuma dizer que o dinheiro não traz felicidade? Não são afinal as coisas que nos fazem felizes tão facilmente identificáveis por todos como imateriais, impossíveis de comercializar?
Tenho 25 anos resido no Porto há menos de um ano e sou estudante de música. O meu nome pouco interessa, fala-se de uma situação anónima que se me caiu aos pés por pura sorte e que é suposto suscitar uma identificação por parte de todos vós. Entre ontem e hoje, os dois dias da liberdade, apercebi-me de uma experiência social que eu estava a viver sem me dar conta. Indubitavelmente efectivada por mim, inevitavelmente criada pela situação socio-económica que vivemos na actualidade. Como eu poderão haver mais…
Não trabalho nem faço planos de trabalhar. É possível que aconteça. É possível que não aconteça, não me martirizo com isso. Não penso nisso. Não me preocupo com isso. Estou-me a cagar.
Sou licenciado numa outra área, para além dos meus estudos musicais, com suponho eu que pouca saída profissional. Suponho porque, sendo sincero, nem sequer tentei. Pouco me interessava. Quando comecei a estudar música encontrei um trabalho como professor numa escola em que trabalhava 10 horas por semana e ganhava o ordenado mínimo. Não era suficientemente interessante para mim. Comecei a dar aulas particulares de música num onde ganhava metade do salário mínimo por 3 horas semanais. Também isso não me servia.
Face a isto, temo que o provável pensamento geral será o de que estão perante a maior ameaça procrastinante existente. A personificação da inactividade terrena. O anti-cristo social. Alguém que tudo fez para evitar trabalhar. Para evitar pôr a mão na massa. Escolheu uma área em que se aproveita o lado bom da vida. O lado boémio da vida. As noites, a fama, uma vida de estrela de rock talvez. Uma área que ninguém hesitaria colocar no topo das áreas com maior incerteza nem falo de empregabilidade mas mesmo de sucesso. Essa palavra tão dura. Pior que tudo, mesmo com o feito quase histórico de encontrar emprego nessa área com algum valor remuneratório, ele preferiu resignar-se à inépcia e ao ócio profissional.

É de notar o quão brutal tentei fazer o ataque contra a minha pessoa para que tenha que me esmerar para mostrar a outra face da moeda, para contrapor tudo o que escrevi contra as decisões que tomei para a minha vida. A verdade é que decidi abdicar de trabalhos que não me preenchiam por algo que terá tudo para ser o oposto de inactividade. A minha rotina diária de dedicação chega às 16 horas diárias. A minha rotina semanal é não várias vezes de 7 dias por semana. A minha rotina anual é a de maximizar todos os dias possíveis porque cada dia de férias equivale não a um dia perdido mas sim a dois. O dia de férias e o dia de trabalho anterior a esse que não foi consolidado!
O meu dia começa às 7 da manhã, mais cedo do que o de muitos que vão trabalhar para um emprego “a sério”. Divido-o entre várias horas de estudo, várias horas de composição, várias horas de assistir a aulas e um par de horas para hobbies, a maior parte deles relacionados com a actividade musical. E se me perguntarem quanto recebo à hora, eu respondo orgulhosamente 0! ZERO!
E se me perguntarem quanto espero vir a receber no futuro eu responderei orgulhosamente, provavelmente uma miséria que nem merecerá destaque. E se me perguntarem porque é que eu me dedico com tanto afinco a algo que parece tão pouco remuneratório hoje e sempre (ámen) eu respondo com uma ideia apenas. Felicidade não transaccionada. Pura e dura, directamente do inconsciente metafísico para todos os sensores nervosos do meu corpo.
A possibilidade de construír algo do nada e vê-lo crescer, a inocência da descoberta da minha personalidade musical e intelectual após mais uma sessão de estudo, o crescimento pessoal a nível artístico, criativo e, ninguém ousará dizer que não, social. O prazer de excedermos a própria humanidade em cada trabalho verdadeiramente novo e único que realizamos. A sensação incrivelmente recompensante que é a de pensarmos “este é um trabalho meu, que eu ofereço à humanidade e que dedico a todos aqueles que me estão mais próximos.” E por tudo isto, só preciso de não me armar em esquisito e de o fazer, pelo simples facto que isso me completa e preenche o mundo onde existo.



2 - Acerca da experiência soció-económica que vivo diáriamente:

Quanto custa afinal viver? Quanto custam afinal todas as coisas que necessitamos? Não me refiro às coisas que queremos, às coisas que ambicionamos ter por esta ou por aquela razão. Às coisas que nos ensinaram a desejar para alcançar a felicidade. Às coisas que nos ensinaram a lutar diariamente para as podermos comprar. Qual é o preço exacto de existir?
A resposta é óbvia. Depende de pessoa para pessoa. Aqui está o meu caso. A minha experiência pessoal:
Facto é que levo uma vida simples. Divido casa, almoço na cantina da escola. No Porto é possivel jantar-se por pouco mais de dois euros, moro perto da escola, ando de bicicleta e pago as propinas. Às vezes estico-me e janto fora por um preço ligeiramente superior. Às vezes estico-me e compro um par de bebidas a mais do que deveria. Não gasto dinheiro em tabaco ou em drogas, sou bastante limitado no café e gosto de tomar pequeno almoço. Não gasto muito dinheiro em roupas, ou em viagens, não gasto dinheiro em prendas para a minha namorada mas isso é uma falha grave que ando a tentar corrigir. Gosto de chocolates e acabo por gastar algum dinheiro nisso. Não tenho internet em casa porque quando preciso vou à escola utilizar. Não vejo televisão, vejo as notícias na internet. Evito ao máximo gastar dinheiro em telemóvel, uso a internet.
O meu plaffond mensal é de 500€ e com eles pago todas as coisas aqui referidas e mais algumas que não entram por motivos mais ou menos óbvios. Para além de me orgulhar de ser desempregado posso-me orgulhar também de ver a minha conta poupança a aumentar de mês para mês com as sobras desses 500€. Este ano estou a pensar ir a um Workshop em Itália, para o ano se as coisas não piorarem demais estou a pensar ir a um em Nova Iorque.
Quanto custa para mim viver? Menos de 500€. Até aqui tudo bem, cada qual tem as suas necessidades. A grande questão é…
Quanto custa para mim a felicidade? Precisamente cerca de 500€. Com eles faço tudo aquilo que realmente gosto todos os dias da minha vida.
E para vós? Quanto custa a felicidade? Quantas horas estariam dispostos a abdicar da vossa vida por um emprego que pagasse 2500€? Quantos empregos oferecem realmente a hipótese de serem desafios interessantes e auto-motivantes a médio-longo prazo? Quantas horas estariam dispostos a abdicar dos vosso hobbies? Das coisas que vos preenchem? Da vossa família? Filhos? Ou da pessoa com quem escolheram passar o resto das vossas vidas? Quanto vale tudo isso? 2000€? 1000€? 800€? 650€? Para poderem comprar todas as coisas menos aquelas que qualquer pessoa num inquérito cara a cara apontaria como verdadeiros indicadores de felicidade? Liberdade…?

“Psychologist Martin Seligman provides the acronym PERMA to summarize Positive Psychology's correlational findings: humans seem happiest when they have
Pleasure (tasty foods, warm baths, etc.),
Engagement (or flow, the absorption of an enjoyed yet challenging activity),
Relationships (social ties have turned out to be extremely reliable indicator of happiness),
Meaning (a perceived quest or belonging to something bigger), and
Accomplishments (having realized tangible goals).”(2)

Óbvio que não há bela sem senão, e portanto, sem mais rodeios eu declaro aqui e desde já a grande falha deste sistema.
Eu, 25 anos, estudante de música no Porto, vivo mensalmente com o dinheiro que os meus papás arduamente ganham para eu andar a brincar aos músicos.
Mãe e pai, obrigado por acreditarem e por colocarem o vosso dinheiro à minha disposição para que eu seja indiscutivelmente e segundo os indicadores de felicidade das pessoas verdadeiramente felizes neste mundo e, que para além disso, aproveita diariamente essa felicidade quase todas as horas por dia (há sinceramente umas aulas que não me agradam e a que tenho de assistir). Tenho a certeza que vocês não se envergonham disso, a partir de hoje, também eu me orgulharei desse facto!


3- E então?

E então? Que tem tudo isto que ver com o resto da sociedade e com o panorama económico do nosso país no geral? As pessoas são felizes como estão, ou não são mas também não têm inércia para mudar. Ou simplesmente foram habituadas desde cedo que as coisas são mesmo assim. Inerente à ideia de crescimento está a ideia de independência. Inerente à ideia de independência está a ideia de ter dinheiro. Inerente à ideia de ter dinheiro está a ideia de ter um emprego. Foi por isto que os nossos pais lutaram toda a vida, e os nosso avós e antes deles os outros avós. Quem seremos nós para chegarmos aqui e decidir que tudo isso está errado?
Na verdade, temo seriamente que não haja grandes alternativas:
-Hoje 25 de Abril de 2012 várias instituições e figuras acérrimas defensoras do dia em questão anunciaram a sua ausência nas comemorações deste ano porque: “as políticas seguidas pelo regime já não reflectem os ideiais de Abril”.
-Hoje 25 de Abril o governo ordenou explicitamente à polícia que se impedissem todas as manifestações que fugissem fora do que foi autorizado.
-Marine Le-Pén candidata de extrema direita às presidenciais francesas obteve um resultado histórico com 18% de votos.
-Recentemente uma jornalista foi fotografada a ser agredida por um agente da autoridade em plena baixa lisboeta por estar  a documentar a greve-geral.
-Políticas de austeridade de direita traçam o mapa europeu actual justificando-se com a contenção da crise económica.
-O estado social foi já dado como moribundo e as suas consequências notam-se perfeitamente, basta entrar num hospital público nos dias que correm.
-A cultura foi descartada imediatamente das responsabilidades do estado não por esta não ser um bem necessário, mas sim porque seria impensável para o estado financiar uma voz que em tempo de crise se levantará em força contra ele.
-Alguns governos europeus fundadores da U.E. como modelo de paz e prosperidade no pós-guerra começaram já a declarar o seu ódio aberto à Europa, como é o caso da Holanda, uma das principais opositoras  dos fundos de ajuda aos países “incumpridores”.
-Este artigo sobre a Hungria é simplesmente assustador: http://articles.businessinsider.com/2011-12-12/europe/30506548_1_leftist-party-fidesz-center-right-party (3)

Vivemos um perturbado momento de crise não só para o povo mas também para os governos. As políticas capitalistas acabam por ter a função de perpetuar o consumismo como meio de atingir a felicidade. Forçam as pessoas a estar ocupadas e isso mantém-nas ausentes da vida política. Desta forma quem tem o poder económico e político acaba por o ir mantendo ao longo de incontáveis gerações. A receita é simples e apregoada centenas de vezes por milhares de panfletos de orientação política mais à esquerda.
“[O documentário] Os Donos de Portugal […] desmonta uma forma concreta de promiscuidade entre o poder político e económico, ao expor o "tráfego entre cargos políticos e lugares de topo nos grandes grupos económicos", sobretudo em ministérios estratégicos: Economia, Emprego e Obras Públicas.” (4)

Ora a questão diferente nos dias que correm é bastante mais perigosa e assustadora como foi demonstrado nos vários tópicos anteriores. 13% de desemprego é um número assustador não só para os trabalhadores mas também bastante para os governadores. 13% de desemprego significa 13% de pessoas a quem se tem de dar um fundo para estarem sentados no sofá a ver televisão sem reclamar. Mas como se pode fazer isso com a morte anunciada do estado social? Cada vez mais o estado não tem fundos para calar uma massa que vai alastrando a sua revolta a todas as outras pessoas que embora tenham emprego vêem os bens que estavam habituados a ter cada vez mais reduzidos ou confiscados. Ora o estado está interessado em perpetuar o poder dos que governam e desta forma vão aplicar as medidas de coação socio-económicas que encontram ao seu dispor. Caso não hajam nenhumas ao seu dispor eles avançam para a coação física e psicológica. E nesse caso estamos perante um regime fascista.
E se for realmente verdade que esta é uma crise inerente ao sistema financeiro actual que governa o mundo? E se todas as medidas de austeridade aplicadas não forem suficientes como muitos dizem porque, sendo sinceros, não havendo investimento não se gera riqueza. E neste momento estamos a cortar em todas as formas de investimento que nos vamos lembrando…
Segundo este senhor  Rob Riemen, aproximamo-nos perigosamente de um retorno do fascismo. (5)
“[…] o interessante é que a classe dominante só entra em pânico quando perde a autoridade moral. Sem a autoridade moral, só lhe resta o poder que se transforma em violência.”

Basicamente, ficamos com duas opções. Ou observamos enquanto bastião atrás de bastião europeu e ocidental vão caindo para políticas cada vez mais autoritárias até um dia acordarmos e ser tarde demais para voltar atrás. Ou começamos a pensar numa solução verdadeiramente democrática. Quando falo de democracia não me refiro à democracia capitalista mas sim uma democracia colectiva em que o objectivo final é chegarmos todos vivos à meta.
Obviamente isto vai-nos levar a uma mudança drástica nos nossos ideais e em tudo aquilo que fomos levados a acreditar desde cedo. Um ponto bastante controverso mas que vale a pena ponderar é o seguinte. E se a solução para a crise estiver não na criação de postos de trabalho para os desempregados mas sim na desdramatização do desemprego e na junção de esforços para criar soluções viáveis, interessantes, construtivas para quem está desempregado e não tem saída à vista. Porque, sejamos sinceros… Um tipo acaba um curso, dedica-se a procurar emprego e não o encontra. Durante o tempo que está inactivo ele não fará absolutamente mais nada. Porque a lenga-lenga dizia “tens que tirar um curso para um dia seres um doutor e teres um bom emprego” não havia nenhuma adenda acerca de crescimento pessoal pós-licenciatura ou mesmo mestrados, especializações ou mudanças de ramo. Sejamos sinceros. Um tipo que tira uma licenciatura e não tem emprego vai simplesmente achar-se socialmente inadaptado e incapaz e perder-se de remorsos por isso. De repente, especializar-se em construir castelos de cartas não parece uma forma assim tão má de passar o tempo.
Talvez ele até encontre uma paixão num hobbie que ele nunca teria tido a oportunidade de experimentar.
Há a famosa história de um tipo Rémi Gaillard (6), que um dia foi despedido da loja desportiva em que trabalhava. O seu lema de vida passou a ser “é a fazer qualquer coisa que uma pessoa se torna em qualquer um” e desde então a internet tem sido atravessada por vídeos seus a marcar “os livres” mais incríveis com uma bola de futebol, acertando em todo o tipo de mobiliário urbano. Realizou ainda uma série de apanhados ou de aparições como intruso em eventos desportivos televisionados.
E de repente, temos um desempregado que é uma das pessoas mais felizes do mundo. De vendedor de ténis a fenómeno mundial com patrocínios e programas na Eurosport. Obviamente nem todos podem ambicionar a isto, mas podem ambicionar a resolver o seu problema com a felicidade e a passar a dedicar todo o tempo livre aquilo que realmente gostam em vez de se lamentarem pelo sofá.
O que teremos de seguida é uma camada trabalhadora da população a pensar… “Esperem lá, estes tipos não trabalham em nada e passam o dia todo a pescar ou a construír castelos de cartas. Porque não posso eu fazer o mesmo?”.  E se a resposta fosse… “Sim, pode. Tiramos-lhe 2 dias do seu salário e você fica com 4 dias de fim de semana para estar com a sua família, tocar oboé ou ir apanhar ar fresco para o Gerês.” Quem não alinhava? Provavelmente muitos não alinhariam porque menos dois dias de salário equivale talvez a um salário de 500€ e poucos se contentariam com um salário desses…
Será?
A média de salários em Portugal por incrível que pareça ronda mais ou menos os 12,1 €/hora (7) o que dá sensivelmente 2129,6€ em 22 dias de trabalho de 8 horas. Se todos recebessem cerca de 500€ euros e trabalhassem 3 dias por semana não só taparíamos os 13% de taxa de desemprego como também sobrariam 1000 e tal euros para… adivinhe-se, aliviar a pressão económica e burocrática transversal a toda a sociedade. Reduzir os impostos altíssimos do IRS e do IVA e todos os outros I’s. Pagando menos aos fornecedores, aos empregados e aos operários os preços de todos os serviços e bens diminuiriam drasticamente. Sem desemprego todos teriam poder de compra, todos comprariam de acordo com as suas necessidades mas todos fomentariam a economia. O renascimento do estado social financiaria serviços básicos como transportes, educação, cultura, saúde e alimentação social permitindo uma ainda maior relativização da necessidade real da moeda. Tudo isto com uma simples mudança de mentalidade traduzida no simples e largamente conhecido facto de que a verdadeira felicidade não vem do facto de se trabalhar 40 horas por semana para comprar bens que nos fizeram crer como necessários, mas sim tempo para fazermos o que realmente interessa. E a liberdade para o fazer.

Há uma frase incrivelmente verdadeira e esquecida que diz o seguinte. O dinheiro vai e vem. O tempo só vai…

Não pensei em soluções para adoptar estes pensamentos. Não pretendo de todo ser o cabecilha de um manifesto ou de um movimento. O ideal era que se calhar todos começássemos a pensar de forma mais colectiva. Lembrarmo-nos de que o sistema capitalista é um sistema que fomenta o benefício pessoal de um indivíduo em detrimento de outro, e no fundo de todos como humanidade. Na maior parte das vezes sob a crença errada de justiça social, do self-made man. Lutamos pelas migalhas enquanto perpetuamos quem as vai largando de lá de cima. Por cada cêntimo a mais que uma empresa faz há alguém no mundo que perde um cêntimo, e nunca ninguém se importou realmente com isso. Até quando?


Escrito no dia 25 de Abril de 2012


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Referências bibliográficas:
1- Estudos sobre a relação remuneração-amor ao trabalho: http://youarenotsosmart.com/2011/12/14/the-overjustification-effect/#more-1728
2- Felicidade segundo o Dr. Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Happiness
3- Políticas de extrema-direita na Hungria: http://articles.businessinsider.com/2011-12-12/europe/30506548_1_leftist-party-fidesz-center-right-party
4- Os Donos de Portugal: http://www.publico.pt/Media/rtp-mostra-a-teia-politica-e-economica-dos-donos-de-portugal-1543370
5- Entrevista a Rob Riemen. Filósofo holandês e grande influência para a escrita deste artigo: http://www.ionline.pt/mundo/rob-riemen-classe-dominante-nunca-sera-capaz-resolver-crise-ela-crise-1
6- Vídeos de Rémi Gaillard: http://www.nimportequi.com/en/
7- Salários em Portugal: http://economiadestaque.blogspot.pt/2012/04/salarios-em-portugal-abaixo-de-metade.html
8- Damos demasiada importância aos empregos? http://plasticsnews.com/blog/2011/09/are_jobs_overrated.html
9- Os empregos estão obsoletos: http://plasticsnews.com/blog/2011/09/are_jobs_overrated.html
10- Desemprego em Portugal: http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=1851292

segunda-feira, 3 de maio de 2010

D'o Desvio

E ao fim de tanto tempo,

tantas ruas,
tantas caras,
tantos sons,
tantos quilómetros,
tantas papoilas,
tantas paisagens,

tantos anos...

Cai finalmente em si.
Olha para trás e pergunta-se, como foi ele parar ali. A uma cidade que não é sua, numa rua em que o macadame se confunde com o cinzento molhado dos paralelos.

Tudo seria da mesma cor naquela noite e não seria apenas por um mero acaso.

Clinicamente descompensado, dir-lhe-iam caso houvesse sequer alguém por perto, quanto mais um médico. E naquele momento fervorosamente contava as gotas de chuva que iam caíndo, vertendo uma lágrima mais intensa por cada uma que falhava.

"Dizem que é preciso parar..."

Mas ele nunca parara. O verbo VIVER corria-lhe nas veias como um veneno que o levaria a cometer o suicidio mais longo da história. Era para isso que ele tinha vivido. Para sentir o calor do coração a bater mais forte em cada ofegante respiração. Para inspirar intensidade por aqueles pequeninos olhos que doravante só veriam imagens mentais perturbadas.

Ao renegar uma vida simples e eficaz, propusera-se a construír um emaranhado de vivências. Estas haviam calcificado e formado corredores labirinticos onde assentava toda a sua já de si frágil estrutura emocional.

Uma casa, um cão, uma piscina... e uns olhos bonitos para a morte. Tudo o que ele sempre negou. A necessidade de refúgio desprezada até ao limite das suas discussões infindáveis, agora pronta a desabar por cima das suas trémulas pernas.

Falha mais uma gota... e outra... e ruge... e mais três... e um desespero...

e num instante apenas...

T
o
d
a
s

c
a
i
e
m

a
o

c
h
ã
o
!
....................... (num estrondo que lamento ver-me impossibilitado de descrever)



Com elas, também ele cai desamparado... Chora... E pergunta porquê.

"Porquê?"

"Porquê eu? Onde terei falhado? Onde é que todos acertaram e eu falhei? Como pode a vida simplificada ter tão pouco significado para mim e no entanto todos à minha volta conseguirem usufruir dela e... e vivê-la... e quase serem felizes. Não faz qualquer sentido"

...


* * * *


- Aqui estás tu... Procurei-te por todo o lado. Da próxima vez que beberes desta forma vê se aterras na cama e não na ombreira da porta, amor. Anda. Os miudos querem que os leves ao McDonald's almoçar...






A

segunda-feira, 12 de abril de 2010

D'o Amor

Com o Sol e os dias agradáveis, chegam também uma série de rituais sazonais que se podem observar diáriamente pelas mais variadas urbes mundiais. Penso que será o momento ideal para tentar dissertar ligeiramente sobre um desses rituais. Provavelmente aquele que mais depressa saltará à imaginação ao pensar na curta lista de rituais estivais.

Falo obviamente das infindáveis discussões e tratados filosóficos sobre a palavra amor, que se efectivam por esses cafés e bares de conceito (concept bars) dos centros urbanos efervescentes. Magotes de pré-adultos e solteiras cinquentonas fumam fervorasamente enquanto sorvem chá ou cerveja nos dias de loucura.
O que é o amor? Para além de ser a questão que nos permite estar permanentemente em questão, o que mais poderá ele ser? Como é constituido? Que elementos integra? Qual a sua origem? No fim de contas, como surge o conceito dentro das nossas cabeças?

Abstraindo-me de toda a arte e imaginação, e utilizando apenas a racionalização, o bom senso e a observação participante, tentei elaborar uma lista dos vários ingredientes que poderiam figurar no caldeirão do amor. E como ele ferve...

1- Filmes da Disney numa fase de crescimento importante. Vulgo, entre os 4 e os 8 anos. Na verdade, o, doravante designado, "amor Disney", é, para toda a presente geração de jovens adultos, o ideal tipo do amor!!!! O amor Disney é tudo aquilo que sonhamos numa relação. E precisamente aquilo que nunca teremos. Não é de espantar, afinal um termo tão complicado de definir como "amor" apenas poderia ter sido adquirido através de suporte visual e conteúdo exemplificativo. Obviamente que o exemplo está bastante distante da realidade, mas quando nos apercebemos de tal já somos demasiado adultos para conseguir anular conceito tão enraizado.

2- Sinais eléctricos e quimicos, transmitidos por vários orgãos do nosso corpo. São bons... Oh se são... Provocam uma sensação de bem estar e de elevação. São pequenas massagenzinhas no nosso ego. A questão das borbuletas no estomago não é apenas metáfora, mas sim um verdadeiro sintoma da reacção química que se passa no interior do nosso corpo. Como é óbvio não há bela sem senão, pois se não, vejamos do que estamos a falar: um químico que é absorvido pelo nosso corpo, provoca uma sensação incrível de bem estar e como tal, tem propriedades viciantes. Sim, talvez pudesse ser vendido de forma ilegal por mal encarados em esquinas do Bairro Alto.

3- Instinto. Nos quais incluo o desejo sexual e o desejo maternal. É algo a que não podemos fugir. Todos os animaizinhos do lote Homo Sapiens Sapiens calharam com esta característica e que os torna tão especiais e bonitos. São necessidades básicas inerentes à natureza humana. No entanto, são ligeiramente desprezadas em contexto social desenvolvido. O instinto, por ser irracional, amedronta a sociedade organizada. É possivel que seja esta a razão mais profunda para a criação do conceito amor. Um conceito que, no fundo, atende estes desejos e fá-lo de forma não ofensiva para a sociedade, chegando mesmo a ser louvável.

4- Pressões sociais. Se toda a gente ama e vive em casais heterossexuais com dois filhos, um rapaz mais velho e uma rapariga mais nova. Obviamente que quem não o fizer sentirá uma enorme pressão social. Não tentem não o fazer. Na verdade nem é uma questão de escolha, o vosso inconsciente já o decidiu por vocês.



Conclusão: A lista não é extensiva. Muita coisa faltará. Há no entanto algo que me preocupa. O amor no fundo, não me parece nada espiritual nem transcendental. Não me parece divino. Não me parece cósmico. Não me parece mitológico. Não me parece paranormal. Não me parece inexplicável.

Pergunto-me... Poderá o amor ser apenas porque...


dá jeito?




A

quarta-feira, 7 de abril de 2010

D'a Vida Secreta

À janela, agora escuto a noite. Toco a Lua.

É a ela que presto contas diariamente. Estranho dizer diariamente, quando claramente o faço sempre de noite.

A ela presto contas "noctariamente" talvez.

Ela que se dá todas as noites a todos. E no entanto ao analisarmos a questão, deparamo-nos com uma face inteira de segredos. Isto admitindo a existência de Luas cheias diárias. Mas não. Nem a isso temos direito. Deparamo-nos então com um corpo que se mostra todos os dias mas em parcelas inferiores a 50% da superfície total. Já para não falar de todo o seu interior.

Será de ti que aprendemos? Terei aprendido de ti?



Dorothy, a minha ex-mulher, costumava dizer que eu era demasiado perfeito. Que era impossível acompanhar-me. Já não o sinto no entanto. A perfeição abandona-me diáriamente. Sei que fui perfeito, sei que anos de gestão de bom senso me deram uma capacidade de exteriorização seguida de auto-crítica e auto-controlo. O rei do Quociente Emocional.

Já não o sinto no entanto. Minto... E... Minto-lhe... E... Sinto que me minto também.

O que começou com um pequeno jogo tornou-se agora grande demais para eu o suportar. Vou aguentando as investidas da minha consciência, as horas de sono em branco, as inquisições da Lua (quem é que ela julga que é para me falar sobre sinceridade?). Mas ao mesmo tempo sinto a minha estrutura emocional a ceder. Amei o pecado mas estou arrependido. Eu... Eu que era demasiado perfeito para ser acompanhado.

E tu? E eles? Eu que era demasiado perfeito para ser acompanhado faço-o! E todos? A realidade que conhecemos dos outros é em grande parte construída através da forma como cada um se nos apresenta. Daquilo que as pessoas nos dizem.

PROBLEMA: Todos o sabem!

E tendo eliminado a existência de Deus e do julgamento final, resta-nos prestar contas à nossa consciência (nossa cúmplice na jogada) e... à Lua, que não é menos puta que cada um de nós.

Temo por achar que se eu construí um mundo imaginário para alimentar o meu próprio egoísmo, todos o farão. E se calhar... ela... de cada vez que se desculpa de forma esfarrapada e pouco convincente, fá-lo inadvertidamente para se convencer inconscientemente de algo que nem sente.

Talvez nem goste de Sushi e o faça só para me agradar.
Talvez ela não goste realmente do meu sinal ao lado do olho esquerdo, como tantas vezes diz que gosta.
Talvez nem lhe agrade por aí além o sexo comigo mas, sendo a única coisa que ela vai tendo...
Talvez nem seja a única coisa que ela tem.
Talvez tenha insistido tanto no fim de semana em Sevilha para fugir de uma possível Vida Secreta que tem.
Talvez me use só para não pensar tanto num possível verdadeiro amor da sua vida.

Mas de novo, nunca serei muito melhor que isso... A verdade é que eu próprio mantenho há meses uma vida secreta... E cada vez menos aguento o peso que a minha consciência exerce sobre mim.





Apresentei-me a ela como sendo médico quando não passo de um mero dentista.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

D'a Personagem

No outro dia, caminhava eu tranquilamente por uma das ruas da minha cidade quando, inadvertidamente, dou de caras uma das minhas personagens!

O seu nome é personagem B, é uma rapariga mais ou menos da minha idade e penso que nunca falei dela.

Estranhei ter visto assim no meio da rua, a passear de forma independente a mim, uma criação minha. Não achei estranho que ela passasse e nem reparasse em mim da forma como eu reparei nela.

Na verdade, não me lembro porque motivo a criei. Nunca lhe dei uma história, nunca lhe dei um principio, uma razão de existir. Criei-a apenas como sendo uma pessoa normal com quem eu poderia tomar uns copos, algo que, por motivos óbvios, nunca aconteceu. Como sendo uma extensão de mim.

Como se fosse alguém cuja história pudesse ser escrita comigo.
E agora encontro-a na rua...

Cada vez compreendo menos a arte de contar histórias.




A