quarta-feira, 7 de abril de 2010

D'a Vida Secreta

À janela, agora escuto a noite. Toco a Lua.

É a ela que presto contas diariamente. Estranho dizer diariamente, quando claramente o faço sempre de noite.

A ela presto contas "noctariamente" talvez.

Ela que se dá todas as noites a todos. E no entanto ao analisarmos a questão, deparamo-nos com uma face inteira de segredos. Isto admitindo a existência de Luas cheias diárias. Mas não. Nem a isso temos direito. Deparamo-nos então com um corpo que se mostra todos os dias mas em parcelas inferiores a 50% da superfície total. Já para não falar de todo o seu interior.

Será de ti que aprendemos? Terei aprendido de ti?



Dorothy, a minha ex-mulher, costumava dizer que eu era demasiado perfeito. Que era impossível acompanhar-me. Já não o sinto no entanto. A perfeição abandona-me diáriamente. Sei que fui perfeito, sei que anos de gestão de bom senso me deram uma capacidade de exteriorização seguida de auto-crítica e auto-controlo. O rei do Quociente Emocional.

Já não o sinto no entanto. Minto... E... Minto-lhe... E... Sinto que me minto também.

O que começou com um pequeno jogo tornou-se agora grande demais para eu o suportar. Vou aguentando as investidas da minha consciência, as horas de sono em branco, as inquisições da Lua (quem é que ela julga que é para me falar sobre sinceridade?). Mas ao mesmo tempo sinto a minha estrutura emocional a ceder. Amei o pecado mas estou arrependido. Eu... Eu que era demasiado perfeito para ser acompanhado.

E tu? E eles? Eu que era demasiado perfeito para ser acompanhado faço-o! E todos? A realidade que conhecemos dos outros é em grande parte construída através da forma como cada um se nos apresenta. Daquilo que as pessoas nos dizem.

PROBLEMA: Todos o sabem!

E tendo eliminado a existência de Deus e do julgamento final, resta-nos prestar contas à nossa consciência (nossa cúmplice na jogada) e... à Lua, que não é menos puta que cada um de nós.

Temo por achar que se eu construí um mundo imaginário para alimentar o meu próprio egoísmo, todos o farão. E se calhar... ela... de cada vez que se desculpa de forma esfarrapada e pouco convincente, fá-lo inadvertidamente para se convencer inconscientemente de algo que nem sente.

Talvez nem goste de Sushi e o faça só para me agradar.
Talvez ela não goste realmente do meu sinal ao lado do olho esquerdo, como tantas vezes diz que gosta.
Talvez nem lhe agrade por aí além o sexo comigo mas, sendo a única coisa que ela vai tendo...
Talvez nem seja a única coisa que ela tem.
Talvez tenha insistido tanto no fim de semana em Sevilha para fugir de uma possível Vida Secreta que tem.
Talvez me use só para não pensar tanto num possível verdadeiro amor da sua vida.

Mas de novo, nunca serei muito melhor que isso... A verdade é que eu próprio mantenho há meses uma vida secreta... E cada vez menos aguento o peso que a minha consciência exerce sobre mim.





Apresentei-me a ela como sendo médico quando não passo de um mero dentista.

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