quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

D'a Morte

Eu e tu, com a morte atrás, a caminho do amor...




Não tenho medo da morte.
Nasci a temê-la. Fui criado para fugir aos seus designios estranhos. Cresci a fugir dela. Sempre a fugir. Sonhamos e vivemos e tentamos sempre fugir à sua frente.

Até hoje. Hoje acordei cansado de fugir. Acordei com um brilho nos olhos e uma ideia clara. A morte é fraca! A morte é a maior escrava do verdadeiro e eterno inimigo da espécie humana: o destino.

Quero destruir de vez a imagem da figura imponente sem rosto, vestida com um manto negro todo ratado. Que se lhe tire a gadanha e se substitua por um caderno de apontamentos, onde vai verificando em que ponto do globo é o seu próximo trabalho, porque esta morte... Esta morte é trabalhadora da função pública há mais de 200.000 anos. É a imagem perfeita do trabalhador explorado. Daquele que dá a cara. O Destino encarrega-se de lixar a vida a toda a gente e depois envia uma simples Morte para arcar com as culpas todas.
Trabalha há 200.000 anos sem um único dia de folga. Sem um único dia diferente. Sem uma única variação na sua negra rotina.

Imaginem a vida social d'a Morte... Sempre a tentar aproveitar os escassos milésimos de segundo em que não há nada para fazer. Sempre a tentar explicar que apenas é a morte porque precisa de viver de algo. Porque só sabe fazer aquilo. Mas que na verdade nada tem contra a espécie humana, contra as pessoas. Que até simpatizou com uns quantos. Talvez se tenha mesmo apaixonado por alguém a quem invariavelmente terá dado o descanso eterno. Talvez o tenha feito numa noite de luar veranesca e o tenha mirado umas quantas vezes de cima abaixo. Com o brilho no canto do olho, típico de quem se emociona facilmente, mas ainda assim é dotado de um sentido de responsabilidade infinito. Que injustiça...

É por isso que trago sempre uma garrafa de Bourbon comigo. Sei que um dia ela aparecerá para me levar, e nesse dia não serei apanhado desprevenido. Desinquietá-la-ei da sua rotina milenar, serei chato e casmurro e obrigá-la-ei a beber um valente copo daquele whiskey...

Penso que nunca ninguém lhe terá feito algo identico.

Penso que vai gostar.




A

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