Personagem F - E então?
Personagem G - E então... O quê?
F - E então... Qual é a tua história?
G - Como assim?
F - Como assim?! Assim que te vi a entrar, assim que te olhei de cima abaixo, que te vi o negro dos olhos, pensei: este tipo tem uma história e só pode estar aqui por ela.
G - História... Nunca fui muito bom contador de histórias...
F - Mas tens uma..
G - Hei-de ter uma qualquer, mas nem é nada de especial. As pessoas à minha volta têem sempre histórias muito melhores, mais interessantes e emocionantes do que a minha. A sua por exemplo será melhor concerteza.
F - Podes-me tratar por tu.
G - A tua será melhor...
F - ...
G - ...
F - O que fazes?
G - Neste momento estou só por aqui, sentado neste sofá.
F - E da vida? Passas a vida sentado em sofás?
G - Sou copywritter. Ou só copy, como preferires...
F - Hmm, parece interessante. Como corre?
G - Corre bastante bem. É a única coisa à qual me dedico de corpo e alma e na qual obtenho bons resultados. Permite-me levar uma vida descansada, com os meus abusos e os meus caprichos. As minhas tardes livres a partir das 17h, o meu ginásio, o meu rés-de-chão com jardim, as minhas mobílias Ikea, as minhas roupas da Boss, os meus whiskies Jameson, enfim, um típico sonho nova-iorquino, talvez. Mas mesmo aqui em Lisboa!
F - Incrível...
G - O quê?
F - A tua vida... Eu por exemplo não tenho nada disso e...
G - E...
F - E apesar de tudo. Apesar da vida que levo, sinto-me feliz.
G - HEY! Eu também me sinto feliz... Que história é essa?
F - Lamento desiludir-te mas com essa ladaínha só te enganas a ti próprio.
G - Não estou a enganar ninguém. O que te leva a dizer isso?
F - Mas que raio. Lembra-te de onde estás! Não há ninguém que entre por aquela porta que não se sinta sozinho! Eu sei-o! Sou eu que os recebo a todos e os oiço!
G - Não adianta esconder então...
F - A partir do momento em que entraste que deixaste de o esconder. Sabes isso não sabes? Eu sei que sabes... Já percebi que és inteligente a esse ponto
G - Sim... Sei...
F - Estás disposto a falar e a deixar-me ajudar-te então?
G - Não estava bem à espera disto...
F - Estavas à espera de quê?
G - De ser forte...
F - Sim, sim... Todos o querem ser, nos primeiros cinco minutos.
G - Foram só cinco?
F - Foi um bocadinho mais...
G - Seis?
F - Foi... O suficiente. Não penses mais nisso. Não estou aqui para te abalar o pouco ego que te sobra. Fala-me dos teus amigos por exemplo.
G - Acho que não tenho... Desapareceram todos por volta dos vinte e cinco. Depois vamos ficando com colegas de trabalho e conhecidos... Montes de conhecidos... Triliões de conhecidos.
F - Com quem conversas então?
G - Normalmente com a malta da empresa.
F - Sobre gajas praí?
G - Também... Mas mais sobre trabalho.
F - Com quem conversas sobre ti então?
G - Hmm.. Contigo..
F - E...
G - E... Hmm.. Mais ninguém, acho eu.. Pelo menos ultimamente.
F - Porque não o fazes?
G - Não sei. Acho que não conheço as pessoas suficientemente bem.
F - Tretas. Estás-me a dizer que não falas sobre ti com as pessoas com que te dás oito horas por dia, todos os dias... E no entanto, aqui estás tu a contar tudo a alguém que conheces há meia hora.
G - Mas tu percebes disto. Provavelmente terás anos e anos de experiência. A aturar tipos como eu. As pessoas têem a sua vida. No fundo devem ter tantos problemas com elas próprias como eu. Para que é que quererão ouvir as minhas choradeiras? A única coisa que ganharia com isso era perder os conhecidos que ainda me vão sobrando.
F - Errado. No fundo, tu é que te imaginas fechado. Construiste toda essa ideia sobre ti para que não tenhas de ter trabalho com relações humanas. Basta darem-te um pouco de corda e lá vem a fita do filme toda, não é? E essa histórias de as pessoas não quererem ouvir... Bem, a amizade é precisamente isso. Quando começas a confiar coisas que são apenas tuas e as pessoas começam a sentir que têem a tua confiança, não achas?
G - Eu sei lá... Tu é que percebes disto.
F - E namorada? Não tens uma namorada?
G - ...
F - Que pergunta a minha... Claro que não tens! Porque é que não arranjas uma namorada? Já te olhaste ao espelho? És bastante interessante até! Conheço centenas de tipos mais horriveis que tu e têem filhos até ao tecto, de 3 e 4 mulheres diferentes. Sim, nos tempos que correm não esperes ficar 50 anos com alguém... Mais vale aceitar a realidade.
G - Esquece isso.
F - Fazia-te muito bem.
G - Perdi a vontade de desiludir mais pessoas. Acho que ninguém o merece.
F - Desiludir?
G - Sim! Desapontar. Levar as pessoas a pensar que sou o tipo perfeito quando sou apenas um poço de desilusões.
F - Mas pareces ter tanto para dar..
G - E vou dando. Relações relampago. É o melhor que há. Numa noite és feliz, fazes alguém feliz e deixas uma imagem bastante bonita do que poderia ser. Uma imagem bonita que fica para sempre. Uma imagem que não será destruída pela desilusão.
F - Acho que tens razão...
G - Também sentes isso?
F - Desculpa. Quem faz as perguntas sou eu.
G - Ok...
F - Que idade tens mesmo?
G - Isso interessa?
F - Sim interessa...
G - Tenho 27
F - Foi a tua primeira vez, não foi?
G - Primeira vez? Como assim primeira vez?! Claro que não foi a primeira vez!
F - Não digo a primeira vez que o fizeste! Mas... A primeira vez que fizeste isto.
G - Que estive com... Hmm... Com uma...
F - Que estiveste com uma puta sim.
G - Sim, foi...
A
coisas que fascinam (216)
Há 5 anos
wow
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